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A rota das tapeçarias na França

O luxo-ostentação como a gente conhece hoje foi criado na França de Luís 14 (rei de 1643 a 1715) e estimulado por seu visionário Ministro das Finanças, Jean-Baptiste Colbert, para quem a França deveria exportar para o mundo o estilo de vida da corte francesa — e, consequentemente, melhorar a balança comercial através do aumento das exportações e, de quebra, a imagem do rei. Assim, Paris se tornou a principal referência de estilo em todas as cortes europeias e em todas as áreas — moda, artes, etiqueta, gastronomia, vinhos, joias, e artes decorativas: floresceram nessa época as manufaturas de cristais (Saint-Louis, Baccarat), porcelanas (Sèvres, Limoges), pratarias (Christofle), rendas (Alençon, Puy), móveis e tapetes (Savonnerie) e tapeçarias (Gobelins, Aubusson e Beauvais).

Apesar de a tapeçaria ter tido grande tradição também em Flandres (atual Bélgica), essa particularidade histórica relacionada ao mercado do luxo — e até hoje um dos alicerces da economia e do soft power franceses — talvez explique por que a França hoje seja o único Estado do mundo a manter — com dinheiro público — as grandes manufaturas tapeceiras. Ou seja, os artesãos, que trabalham seis horas por dia de frente para o liço, por anos e anos na mesma peça, são funcionários públicos. E possuem quase nenhuma possibilidade de crescimento na carreira.

Um dos fatos interessantes que nos mostra a importância histórica dessas manufaturas é que Gobelins, Aubusson, Beauvais e Savonnerie, apesar de consolidadas no século 17, já haviam servido reis anteriores (desde Henrique IV no século 16); continuaram servindo todos os reis, imperadores e governos posteriores; e serve o Estado francês até hoje. São mais de seis séculos de história e tradições intactas, dessa arte cara (que só a nobreza tinha acesso), bela (já que decora e dá cor às insípidas paredes dos castelos e aos vazios da arquitetura moderna), portátil (bastava enrolar para ser transportada) e útil (aquecendo os frios e escuros ambientes no rigoroso inverno europeu). E, assim como a pintura e os vitrais, ainda servia como meio de propaganda e educação bíblica utilizado pela Igreja.

E não só: a tapeçaria de Bayeux, uma extraordinária peça de 70 metros de comprimento por meio metro de altura, confeccionada na década de 1070 (na Inglaterra ou na França, não se tem certeza), que narra cronologicamente, como num filme, 60 cenas da conquista da Inglaterra pelos normandos, é considerada pelos historiadores como a “primeira tirinha de quadrinhos”. {Não deixe de assistir ao vídeo no final da página.}

E vamos começar o tour. A primeira parada é:

PARIS

A-mon-seul-désir-La-dame-à-la-licorne-6No 13éme arrondissement, desde o século 15, existe uma vila formada por vários prédios, capela e residências que abriga hoje num só lugar as manufaturas de Gobelins, Beauvais e Savonnerie. {Para conhecer a diferença entre as confecções, clique aqui} Através da imperdível visita guiada, que dura cerca de duas horas (só durante a semana), você caminha por todas as etapas do processo de produção de uma tapeçaria, do tingimento da lã até a tecelagem em alto e baixo liço por artesãos extremamente pacientes (dependendo da complexidade do desenho e da quantidade de cores, uma peça de tapete ou tapeçaria pode levar até dez anos para ficar pronta). E não deixe de visitar o museu e conhecer o resultado fabuloso desse trabalho. No Musée du Cluny, dedicado à Idade Média, no 5éme, o destaque é a exuberante série de seis tapeçarias La Dame à la Licorne (foto). Confeccionada no fim do século 15, é considerada uma das mais importantes obras de arte da Idade Média. E sua beleza, diferentemente das pinturas dessa época, impressiona até hoje.

PRÓXIMA PARADA: ANGERS

jean-lurcat-tapecaria-1000Uma das mais floridas cidades da França, Angers, no Vale do Loire, reúne em dois cenários mais que especiais tapeçarias fundamentais dos séculos 14 e 20. No Château d’Angers, fortaleza construída no século 13 e cheia de jardins, fica a impressionante Tapisserie de l’Apocalypse, tecida no século 14 e que originalmente tinha 140 metros (!) de comprimento. Já o antigo hospital do século 12, Saint-Jean, abriga a não menos grandiosa obra de Jean Lurçat (foto acima), o responsável pelo renascimento da tapeçaria como arte no século 20. Apesar de a obra Chant du Monde, com 80 metros de comprimento exposta em Saint-Jean, estar em Angers, Lurçat foi um grande colaborador dos ateliers de Aubsusson.

AUBUSSON

Tapisserie-Aubusson-Arles-950Não é muito fácil chegar lá. A melhor opção é pegar o trem de Paris (Gare d’Austerlitz) e descer na imponente estação Bénédictins em Limoges (são três horas de viagem — não tem TGV — mas você pode aproveitar e conhecer as tradicionais porcelanas da cidade) e de lá, alugar um carro para poder visitar essa cidade cujo nome é sinônimo de tapeçaria há seis séculos: Aubusson.

E a vantagem de Aubusson em relação às Gobelins é que os ateliers  vendem e aceitam encomendas de particulares (Gobelins, Beauvais e Savonnerie trabalham exclusivamente para o Estado francês) ao mesmo tempo em que no século 17 também recebeu de Colbert o prestigioso título de Manufatura Real. Muitos ateliers  possuem galerias abertas à visitação (em algumas é preciso agendar horário) e a cidade abriga ainda o Musée de La Tapisserie com foco em peças produzidas nos séculos 17, 18 e 19, além das obras do século 20 de Jean Lurçat, e a Maison du Tapissier, no coração do centro histórico da cidade, onde você confere peças e fragmentos dos últimos 600 anos e ainda assiste a demonstração de um mestre tecelão. Comprando o ingresso na Maison du Tapissier (€ 6) você ainda pode visitar a Coleção Fougerol, com mais de 100 tapeçarias de Flandres e Aubusson dos séculos 17 e 18. Com um pouco de leitura e imerso em tapeçarias de todos os séculos, não tem como não virar um expert.

Para fechar, assista a uma animação feita sobre a Tapeçaria de Bayeux, que narra a conquista da Inglaterra pelos normandos (Haroldo é o nome do rei da Inglaterra, e William é a tradução para o inglês de Guilherme, o Conquistador, da Normandia):

A história da relação entre a tapeçaria de Bayeux e os quadrinhos eu aprendi em uma aula com a professora de tricô da Novelaria, Faap e Sesc Pompeia, Cris Bertoluci. Para conhecer mais seu trabalho, não deixe de visitar seu tumblr, clicando aqui.

SERVIÇO

Paris
La Manufacture des Gobelins
42 avenue des Gobelins, 13éme
Telefone: 01 4454-1933

Musée de Cluny (Musée National du Moyen-Age)
6 place Paul Painlevé, 5éme
Telefone: 01 5373-7800

Angers
Château d’Angers
(sem rua, sem número)
Telefone: 02 4186-4877

Musée Jean Lurçat
4 boulevard Arago
Telefone: 02 4124-1845

Aubusson
Musée de la Tapisserie
Avenue des Lissiers
Telefone: 05 5583-0830

La Maison du Tapissier
Entrada pelo Office de Tourisme
Rue Vieille
Telefone 05 5566-3212

Collection Fougerol
34 rue Jules Sandeau
Para saber mais informações, você pode ligar no Escritório de Turismo, no 05 5566-3212.

Shoichi Iwashita

Compulsivo por informação e colecionador de moleskines com anotações de viagens e restaurantes, Shoichi Iwashita se dedica a compartilhar seu repertório através das matérias que escreve para a Simonde e revistas como Robb Report Brasil, TOP Destinos, The Traveller, Luxury Travel e Unquiet.

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