O que você está buscando?

Isabela Raposeiras e o café perfeito

O que você acha que é sabor de café deve ser, muito provavelmente, sabor de defeito de café. Foi assim que começou o meu papo com a barista e mestre de torra Isabela Raposeiras na última semana, quando eu disse que tomar café coado — de ótimos grãos — nos melhores cafés de São Paulo me lembrava mais sabor e aroma de chá que café, essa bebida que, apesar de popular, não tem nada de simples. São muitas as informações que precisam ser desmistificadas: uma delas é o conceito de torra clara, média, escura. Confira o papo a seguir.

Shoichi: Quando peço café coado no CoffeeLab e em outros bons cafés da cidade, o aroma, o corpo e o gosto da bebida me lembram mais chá do que café, por isso, tenho preferido pedir os grãos especiais extraídos pelo método aeropress, que me parece mais “café”… Estou me fazendo entender?
Isabela: É preciso tomar cuidado. Quando a gente passa a vida toda tomando café ruim, a gente tende a achar que sabor de café é aquele amargor acentuado que, na verdade, não é uma característica mas sim um defeito do café. E é impressionante o fato de que, no Brasil, as classes mais altas se preocupem em tomar bons vinhos mas ainda não se importem em tomar café de grandes marcas vendidos no supermercado (feitos com grãos quebrados, defeituosos, com pedaços de galhos e folhas que precisam ser bem torrados para disfarçar os defeitos; ou seja, de baixíssima qualidade). Tomar esse café, vendido já moído, é a mesma coisa que tomar vinho Sangue de Boi. Café tem de ser moído na hora, na quantidade que será usada, senão ele perde muito dos aromas e sabores mais voláteis e complexos; moeu, em dez minutos não tem mais nada. Tanto é que, aqui no CoffeeLab, a senha do wi-fi é “moeuf**deu”. Existe mercado para ambos os produtos, mas é preciso educar o consumidor para o café de qualidade.

S: E o café em grãos? Ele tem validade?
I: Teoricamente, não, mas quanto mais próximo da data da torra, melhor (nos microlotes de cafés especiais a data da torra vem sempre sempre escrita na embalagem). Um mês depois da torrefação do café ele ainda está ok, mas logo depois começa a decair. Cafés antigos são pálidos no paladar.
Isabela Raposeiras fala sobre o café perfeito no Coffee Lab

S: Tem café bom que é meio azedo — não sei se o termo certo é ácido —, e essa é uma das características do café que não me agrada muito…
I: Na degustação, azedo é a mesma coisa que ácido. E a acidez é uma das principais características do café de qualidade; só café bom tem acidez. Além disso, o segredo do bom café é que ele provoca reação das nossas papilas gustativas, você o sente sobre toda a extensão da língua, diferentemente daquele café que passa “da boca para a garganta” e você só sente o amargor no final.

S: Eu acabei de fazer o guia dos melhores cafés de São Paulo e uma das coisas que me incomoda no serviço da maioria dos cafés é que quando você pergunta sobre o grão, eles começam a falar sobre as notas de pêssego, mel e chocolate do café em questão. Vocês não fazem isso aqui no CoffeeLab, por quê?
I: Notas aromáticas são difíceis de serem percebidas e, no serviço, é um perigo, um tiro no pé. Ou você passa por esnobe ou frustra o consumidor, que vai se questionar por que o barista sente todas essas notas e ele não. Aqui, a gente prefere estar um pouco mais próximo do universo do cliente soltando um “Esse café é mais azedinho como laranja, você percebeu?

S: Outra coisa que vocês não fazem aqui é falar sobre a torra dos microlotes (se clara, média, escura). E olha que eu tentei tirar isso uma vez do barista (eu queria tomar um café de torra clara), e não consegui.
I: A torra é uma variável muito frágil e é daqueles parâmetros que o consumidor não deveria ter. Querer saber sobre a torra é a mesma coisa que querer saber sobre a temperatura que o chef  usou para assar uma carne; não faz diferença, é uma pu**eta  desnecessária, sabe? Come a carne aí, . (risos) Temos de falar sobre as variedades. Durante a torra, a gente não tem olho suficiente para determinar se o café está na cor X ou Y. Nenhum olho consegue detectar precisamente que cor é aquela. Sem falar que essa é a variável mais frágil, já que a gente não se guia pela cor, mas sim pelo tempo, pelas temperaturas (não só a final), pelo fluxo de ar… Com o único objetivo de extrair o melhor daquela variedade de café.

S: O que é um espresso perfeito?
I: Se a xícara for pequena, a crema do espresso deve cobrir toda a bebida (o CoffeeLab foi o primeiro lugar no mundo a servir café numa xícara maior, aí, nesse caso, a crema pode se quebrar). A temperatura deve ser agradável para ser tomada assim que ele for tirado (o que não acontece com o café coado ou com os outros métodos de extração quando você talvez tenha de esperar um pouquinho). E, antes de tomar, sempre mexa o espresso, por mais que você não o adoce: o amargor está na crema e, ao mexer, você tem os sabores mais distribuídos. Se não estiver correto, você tem todo o direito de devolver.

S: Você já provou os caríssimos cafés extraídos das fezes de animais, como o Jacu, o Kopi Luwak e o Ivoire Noire, que chegam a custar US$ 1100 o quilo? Eles são realmente especiais?
I: Já. Esses cafés são muito caros por causa do método de extração, não pelo sabor. Na boca, são cafés medianos.

S: Nos melhores cafés de São Paulo, só são servidos grãos nacionais e li que o Brasil é o maior exportador de café do mundo. O nosso café também é o melhor do mundo?
I: Nós somos o maior exportador de grão cru de café do mundo, mas não temos o melhor café. Em primeiro lugar vem o café do Quênia, depois o da Colômbia. O Brasil viria depois, antes da Índia.

S: Você é bem tolerante quanto à ideia de adoçar o café, né?
I: Café com leite pode; café com raspas de limão pode; café com canela pode (a canela MATA o café); café com açúcar não pode? Não precisa ser muito inteligente para questionar isso. E qual a probabilidade de um cliente que toma café de baixa qualidade com açúcar tomar um café bom sem açúcar apreciar o café? Zero. É preciso manter a variável doçura com a qual ele está acostumado para que ele perceba a real diferença entre os cafés. Com o tempo, ele pode perceber, sozinho, que um bom café não precisa de tanto açúcar. Mas só se ele quiser.

Shoichi Iwashita

Compulsivo por informação e colecionador de moleskines com anotações de viagens e restaurantes, Shoichi Iwashita se dedica a compartilhar seu repertório através das matérias que escreve para a Simonde e revistas como Robb Report Brasil, TOP Destinos, The Traveller, Luxury Travel e Unquiet.

Carpe Diem Today disse:

Bem interessante! A gente é apaixonada do Coffee Lab! http://www.carpe-diem.today/blog/2014/8/2/caf-lab

Deixe um comentário
Seu endereço de email não será publicado junto com o comentário.