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Tiradentes: A história através dos passeios essenciais na mais charmosa e bem conservada das cidades históricas das Minas Gerais

Da frente da Igreja de São Francisco tem-se essa vista de Tiradentes, onde reina a primeira e mais importante igreja da cidade: a Matriz de Santo Antônio, cujo interior possui 482 quilos de ouros aplicados na decoração. Imagem: Shoichi Iwashita

A mineração foi — e segue sendo — a causa das maravilhas e das tragédias das Minas Gerais. Da maior jazida de ouro já descoberta no mundo, que financiou o gênio de Aleijadinho e a Revolução Industrial inglesa, às matanças sem punição (“matava-se por tudo e por nada nas minas”) e as tragédias recentes de Mariana e Brumadinho (em 2019, existem ainda mais 13 cidades ameaçadas), foi a ausência das mineradoras durante a estagnação econômica na região de São João del Rei durante o século 19 e primeira metade do século 20 que fez de Tiradentes, felizmente hoje fora de risco, a mais bem preservada das cidades históricas de Minas Gerais; nenhuma construção seria adicionada à cidade por quase 200 anos. O ouro descoberto nas encostas da Serra São José pelos bandeirantes paulistas em 1702 não duraria 100 anos. Em 1785, já não havia mais nada. Nem nas reservas, nem no Brasil.

Apesar de não ter a importância histórica de Vila Rica, atual Ouro Preto (muito maior e menos aconchegante), a cidade de Tiradentes, aos pés da bela e imponente serra, recuperou todo o seu esplendor graças a um vultuoso investimento do BNDES, o banco de desenvolvimento nacional. Nos últimos 20 anos, foram restauradas todas as igrejas, as casas históricas — quase todas térreas — e até a estação ferroviária, não só na estrutura, mas nos mínimos detalhes, entre acabamentos e obras de arte. Não só. O calçamento de quartzito das ruas foi nivelado (até caminhar era difícil anos atrás) e foi fundado o único museu da liturgia da América Latina, que abriga uma coleção viva com os objetos mais valiosos das igrejas da cidade, que conta ainda com um lindo projeto museográfico. Sem o investimento do governo na história e na cultura, Tiradentes não estaria vivendo seu terceiro ciclo econômico, o do turismo, depois do ouro e da prata. 
 

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A Serra São José, onde foi encontrado o ouro em 1702, emoldura toda a cidade de Tiradentes e está cheia de belas cachoeiras. Repare também que toda a fiação elétrica da cidade está enterrada. Imagens: Shoichi Iwashita

Abaixo, você confere a lista dos lugares imperdíveis com um pouco de suas histórias; esse item essencial para que qualquer viagem seja mais interessante. E é através delas que aproveito para contar também um pouco da história de Tiradentes, o homem e a cidade.

IGREJA MATRIZ DE SANTO ANTÔNIO: A MAIS IMPORTANTE IGREJA DE TIRADENTES E UM DOS MAIS BELOS EXEMPLOS DO BARROCO MINEIRO

Só a Igreja de São Francisco em Salvador tem mais ouro. Com um detalhe: Salvador era a capital do Brasil. Isso já mostra o potencial da região quando o bandeirante paulista João de Siqueira Afonso descobre reservas auríferas em 1702, em um nada chamado Arraial Velho do Rio das Mortes (o rio que cruza a cidade), que só conquistaria o status de vila, ou seja, sua autonomia político-administrativa, em 1718, quando se torna Vila de São José del Rei (só não confunda São José com São João del Rei, a cidade bem maior que está a 15 minutos de carro de Tiradentes).

Há poucos documentos que comprovam as datas exatas de construção das igrejas mais antigas; a grande maioria se perdeu no tempo. Mas parece que a paróquia (a delimitação territorial de uma diocese) foi fundada em 1710 quando se criou a Irmandade do Santíssimo Sacramento; e a Igreja Matriz de Santo Antônio, a primeira igreja de Tiradentes, já estava quase pronta em 1732, quando faltavam apenas os assoalhos e os forros. (Foi nesta igreja onde foi batizada e se casou a mãe de Tiradentes; mal sabia ela que a cidade ganharia o nome do seu filho cem anos depois.)

Uma obra-prima do barroco joanino (na época, o rei de Portugal era Dom João 5), a Igreja Matriz, que conta com 482 quilos de ouro aplicados na decoração, foi recebendo adições ao longo do tempo: os dois relógios portugueses que interessantemente decoram as duas torres foram incorporados em 1788, o mesmo ano da instalação do belíssimo órgão com 680 tubos fabricado na Francônia (hoje Alemanha), comprado no Porto, em Portugal, e transportado do porto do Rio de Janeiro até à igreja desmontado em 11 caixas, no lombo de mulas (foram mais de dois meses de viagem pelas montanhas). Em 1808, a Irmandade do Santíssimo Sacramento encomendaria a Aleijadinho uma nova fachada, que a desenhou com pináculos, pinhas, volutas e talhas de pedra, no estilo contemporâneo da época: o rococó. O arquiteto-escultor recebeu ouro como pagamento e morreria pouco tempo depois, em 1814.

Não deixe de pensar também na complexidade — e no custo — que é o processo de restauração de uma igreja dessas. Em uma das últimas etapas da obra, foi preciso abrir antigos túmulos próximos às paredes, onde foram encontrados ossadas e vestígios de caixões setecentistas — além de um caixãozinho de criança com sua ossada, sepultado em 1899 —, o que demandou a vinda de uma arqueóloga para orientar o trabalho. Uma vez terminada a obra, as ossadas-sem-caixão foram colocadas em sacos de tecido de volta em suas tumbas de origem.

A igreja está impecável; é lindo de ver isso em um país cuja tradição é a da negligência com a história e a cultura. A estrutura preservada, as madeiras sem cupins, as pinturas restauradas em suas cores originais. O órgão não só foi totalmente reformado na aparência como emite hoje os mesmos sons que emocionavam os tiradentinos do século 18… Por isso, não deixe de conferir os concertos semanais que lá acontecem. Do adro em frente à igreja, você ainda tenta ver as horas no relógio de sol feito de pedra sabão e confere, da linda balaustrada, a vista panorâmica para cidade e a serra, uma vez que a igreja fica no alto na cidade e vai ser quase onipresente no seu campo de visão em vários momentos da viagem. A Igreja Matriz de Santo Antônio está na Rua Padre Toledo, 2, e abre para visitação todos os dias, das 9h às 17h.

MUSEU DA LITURGIA: COLEÇÃO “VIVA” EM UMA CIDADE QUE RESPIRA AS TRADIÇÕES CATÓLICAS

Liturgia é o conjunto dos elementos, dos rituais e das práticas dos cultos religiosos: a missa, os objetos, as orações… Inaugurado em 2012, o único museu dedicado ao tema na América Latina não podia estar em um lugar mais adequado. Diferentemente de um museu tradicional onde as peças servem como testemunho histórico e estático para exposição, o Museu da Liturgia de Tiradentes abriga os objetos mais importantes das igrejas da cidade — incluindo uma coleção simplesmente absurda de relíquias e pratas portuguesas, que, por motivos de segurança, não podem ser fotografadas —, que saem das vitrines e tomam as ruas do pequeno município durante as procissões, as festas dos santos padroeiros, a Semana Santa. Um museu que é parte indissociável da comunidade e da fé local (os tiradentinos são super católicos e não pagam para entrar no museu).

Instalada na ladeira que é a Rua Jogo de Bola (#amoessenome) em uma casa do século 18 que foi grande parte do tempo uma casa paroquial antes de ser cedida para o museu (o padre, no entanto, ainda hoje mora no mesmo terreno), o Museu da Liturgia possui um acervo com mais de 420 peças restauradas — incluindo grande parte da prataria, pinturas e esculturas da Igreja Matriz de Santo Antônio —, que são organizados por temas como Devoção Popular, Eucaristia e Páscoa, Sacramentos e Sacramentais.

E dá para passar horas aqui, meditando com a instalação sonora na entrada onde se pode ouvir trechos da Bíblia (foto acima), com as telas interativas no interior do museu (é lindo ver os vídeos com os depoimentos dos locais) e com a ajuda do Google no celular para aprender e se aprofundar nos temas da religião católica. Aproveite para agendar uma visita guiada para absorver ao máximo a coleção {tem de fazer pelo site, clicando aqui}O Museu da Liturgia está na Rua Jogo de Bola, 15, e abre de quinta a segunda (feriados inclusos), das 10h às 17h (a bilheteria fecha às 16h30). O ingresso custa R$ 10; o telefone é + 55 32 / 3355-1552; e para acessar o site, é só clicar aqui. 

CASA DO PADRE TOLEDO: O VIGÁRIO INCONFIDENTE, PODEROSO, RICO, REFINADO E PERDULÁRIO

Tiradentes não nasceu nem morou na cidade de Tiradentes de hoje. O alferes Joaquim José da Silva Xavier nasceu em uma fazenda próxima a onde é hoje o município de Ritápolis, a quase 20 quilômetros daqui. Por isso, é importante contextualizar o tempo-espaço: a Vila São José del Rei não era essa pequena e bucólica cidade 200 anos atrás. Ao longo do século 18, ela foi incorporando muitos outros arraiais e comarcas, chegando a fazer divisa com a capitania de Goiás (!) e a ter uma disputa de território com Vila Rica, atual Ouro Preto, que está a mais de 100 quilômetros de distância. Foi perdendo espaço conforme os arraiais foram se emancipando e se tornando vilas; e hoje é esse pequeno município com 7.500 habitantes.

Os inconfidentes mineiros não queriam só a queda da monarquia. Revoltados com os impostos da Coroa Portuguesa, queriam que Minas Gerais fosse uma república independente de Portugal — e do Brasil —, com capital em São João del Rei; ou seja, tinham interesses bem próprios. Mas, apesar de as grandes confabulações da Inconfidência terem ocorrido em Ouro Preto, em Tiradentes, era na casa do Padre Carlos de Toledo, o vigário da Paróquia de Santo Antônio de São José do Rio das Mortes — uma das mais ricas paróquias da Coroa Portuguesa —, onde elas aconteciam. A primeira reunião da Inconfidência Mineira aconteceu aqui nesta casa, na Sala do Cotidiano.

Nomeado em 1776, o Padre Toledo, nascido em Taubaté (SP), chega à Tiradentes no ano seguinte. Rico, refinado, perdulário e ambicioso, construiu com seus próprios recursos a que foi a mais luxuosa das casas de São José e promoveu as mais fastuosas cerimônias da Semana Santa na década de 1780. Participou ativamente da Inconfidência Mineira, recebendo a nata da sociedade da época em casa, que contava com vários escravos, sendo dois deles músicos e outro, cozinheiro.

Uma vez descoberta a traição à Coroa graças ao “Judas” Joaquim Silvério dos Reis (talvez o primeiro delator premiado da nossa história, pois denunciou os colegas em troca do perdão de sua dívida com a metrópole), o Padre Toledo, apesar de ser condenado à morte na forca assim como Tiradentes, tem a pena perdoada três dias antes da execução, é exilado em Portugal em uma prisão eclesiástica (onde morre), e todos os seus bens são confiscados e vendidos. Assim, na casa que hoje é o museu reinaugurado em 2012, o destaque são os forros restaurados (dos 15 cômodos, nove têm seus tetos pintados em estilo rococó), um grande luxo na época, já que todos os objetos não são originais daqui, servindo apenas para compor os ambientes. Já as obras de arte vêm do acervo próprio da UFMG e também de empréstimos do Museu da Inconfidência de Ouro Preto, com o qual a Casa do Padre Toledo mantém uma parceria. O Museu Casa Padre Toledo fica na rua Padre Toledo, 190, e abre de terça a domingo, das 10h às 16h30. O teleone é +55 32 / 3355-1549.

IGREJA NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO DOS PRETOS:

No vergonhoso passado do Brasil, os pretos eram proibidos de exercer sua fé e de frequentar igrejas. Devotos de Nossa Senhora do Rosário, a Virgem Maria que entrega o rosário (o terço) em aparição ao frade dominicano São Domingos de Gusmão em 1214 (missionários dominicanos portugueses levam a tradição da Virgem ao Reino do Congo nos séculos seguintes e ela se transforma na santa dos pretos). Esta bela igreja, a segunda mais importante de Tiradentes depois da Matriz, foi inteiramente construída pelos escravos — à noite, quando tinham tempo livre —, e para eles: o único branco que entrava aqui era o padre durante a realização das missas.

Outro belo exemplo da arte e da arquitetura barroca, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário — com tamanho mais próximo de uma capela que de uma igreja —, fica em recuo na Rua Direita com lindas árvores em frente. E foi construída com os recursos e o trabalho dos homens negros, alforriados ou escravos, que mantinham um segredo: ao trabalhar nas minas, eles escondiam parte do ouro que encontravam nos cabelos e nas unhas, e levavam para decorar a igreja, que conta com um lindo altar. Como a entrada era lateral, os brancos não viam que a igreja dos pretos poderia ser tão linda quanto as deles (o padre era cúmplice : ).

Além da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Pretos Africanos, a igreja também abrigava a Irmandade de Nossa Senhora das Mercês dos Pretos-Crioulos, até que esses construíram sua própria capela, que fica na Rua Silvio Vasconcelos, ao lado do Instituto Mário Mendonça.

TEATRO CASA DE BONECO: UM MINITEATRO DE MARIONETES QUE TEM O MENOR BLOCO DO CARNAVAL DE TIRADENTES (E DO PLANETA)

Ao passar pela porta de entrada da casinha térrea na Rua Direita, você já dá para a plateia com as fileiras de bancos de madeira deste miniteatro; com a porta e a janela abertas, daria para assistir ao espetáculo da calçada. E não pense que esse teatro de marionetes é apenas para crianças. Com duração de 50 minutos, os vários números, entre os mais poéticos e os mais divertidos, possuem uma singeleza que toca uma inocência, uma ternura, que eu não acessava em mim há tempos. E a Companhia dos Inventos, idealizadora do teatro, ainda é a criadora do menor bloco de Carnaval do mundo, com minimarionetes que vão até a esquina da rua do teatro e voltam, em apenas 15 minutos (os bonequinhos ficam expostos no teatro, no fundo da foto acima). Imperdível. O Teatro Casa de Bonecos fica na Rua Direita, 288, pertinho do Largo das Forras. Os espetáculos acontecem as sextas e sábados, às 19h, e durante os período das férias também às segundas e quartas. Os ingressos custam R$ 30, crianças de colo não pagam, e o telefone para contato — é bom ligar antes para confirmar a programação e os horários — é +55 32 / 3355-1337 e +55 32 / 98846-1337.

LARGO DAS FORRAS: O CORAÇÃO DA CIDADE DE TIRADENTES QUE ABANDONOU O PROJETO DE BURLE MARX

De lugar periférico no século 18, na entrada da cidade; utilizado como estacionamento de carroças e carros de boi, e como espaço para formação de tropas de milícia no século 19, por conta do terreno plano; a coração da cidade de Tiradentes, com projeto paisagístico de Roberto Burle Marx no século 20 (que infelizmente não teve a manutenção devida), o Largo das Forras é hoje ponto de encontro de moradores, local de eventos culturais, e centro turístico, com várias lojas, bares e restaurantezinhos. Vale dar uma passada na Fábrica de Chocolate Puro Cacau, que fica no número 30 do Largo, pelas compotas belíssimas, das mais variadas frutas (fotos acima). Eles também vendem chocolates e sorvetes artesanais, mas não espere a mesma textura e sabor dos bons sorvetes com os quais estamos acostumados.

AS CACHOEIRAS DA SERRA SÃO JOSÉ: NATUREZA ABUNDANTE VIZINHA À HISTÓRIA

A coisa mais impressionante de Tiradentes é caminhar por essa cidade histórica vendo a imponente paisagem verde da Serra São José, que envolve a cidade. E o melhor é que através de uma trilha rápida — mas não muito fácil para quem tem limitações de movimento — é possível acessar belas cachoeiras, que não ficam nem a dois quilômetros do centro de Tiradentes. A Trilha das Sete Cachoeiras, que pode ser feita a pé ou em bicicleta, faz parte do Caminho Velho da Estrada Real, a rota instituída no século 18 pela Coroa Portuguesa para escoar o ouro de Vila Rica até o porto de Paraty no Rio de Janeiro (já o Caminho Novo liga Vila Rica até o Rio de Janeiro). Mas é preciso ir com um guia que conheça os atalhos e os caminhos para não se perder. Fale com o seu hotel.

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Shoichi Iwashita

Compulsivo por informação e colecionador de moleskines com anotações de viagens e restaurantes, Shoichi Iwashita se dedica a compartilhar seu repertório através das matérias que escreve para a Simonde e revistas como Robb Report Brasil, TOP Destinos, The Traveller, Luxury Travel e Unquiet.

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