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Saint-Barth: A história da ilha branca e bilionária do Caribe, onde a principal atividade econômica não é o turismo

Fim de tarde em Shell Beach, a única praia da ilha de onde se pode assistir ao pôr do sol, e onde também está o beach club Shellona. Imagem: Shoichi Iwashita

Três horas e meia de voo e apenas uma hora de diferença de fuso horário separam o rigoroso inverno nova-iorquino de fevereiro do verão-o-ano-todo de Saint-Barthélémy, essa ilhota de vegetação árida — e de praias menos bonitas que as das ilhas vizinhas, preciso dizer —, que se transformou no porto seguro de algumas das pessoas mais ricas e famosas do mundo (seguidas, obviamente, dos alpinistas sociais). Aqui, o turismo de massa não tem vez; não há nem espaço para as grandes redes de hotéis de luxo estão aqui.

São Bartolomeu — assim como Saint-Tropez vira “Saint-Trop” para os franceses, que adoram diminutivos, Saint-Barthélémy é “Saint-Barth”, ou ainda, em inglês, “St. Barts” — não só é um território ultramarino francês mas praticamente a extensão da Côte d’Azur no Caribe (não raro você vai encontrar aqui os mesmos superiates aportados em Cap d’Antibes em junho durante o inverno no hemisfério norte).

Porque se chegar à França metropolitana — Paris, depois Marseille — para começar a viagem pela Riviera Francesa é se deparar com gente de todas as cores, roupas, etnias, línguas e culturas, basta sair da cidade mais antiga do país (e um dos portos mais antigos do Mediterrâneo) e dirigir por 30 minutos para encontrar uma costa — de Hyères até Nice — repleta de belíssimas paisagens, mas sem a menor presença dessa diversidade. Realidade similar em Saint-Barth, que é conhecida por ser a ilha “branca” e “non métissée” (não mestiça) do Caribe.

 
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Aqui não existe água doce (nem rio, cachoeira, lençóis de água, por isso todos os hotéis e casas são obrigados a terem cisternas para armazenar água da chuva para o caso de as plantas dessalinizadoras não conseguirem produzir água suficiente para consumo humano) e, apesar de ter havido escravidão, a ilha sempre foi tão pobre em recursos naturais (era comum colonos trabalharem lado a lado com seus escravos) que, quando a escravidão foi abolida em 1847, não havia mais atividade econômica viável. Assim, grande parte dos libertos (e muitos colonos também) partiu para as ilhas vizinhas.

E, se mesmo nas ilhas mais próximas, as vizinhas Saint-Martin e Anguila (ambas a pouco mais de 10 minutos de voo em aviões velhos e/ou minúsculos), ou na Martinica ou em Barbados, você vai encontrar uma população majoritariamente negra — apesar de todos os donos de hotéis e restaurantes serem brancos; franceses, holandeses, ingleses —, em Saint-Barth os negros e mestiços são quase inexistentes; e quase sempre você será atendido por “métros”, os franceses (jovens, brancos e bem apessoados) da metrópole trabalhando por temporadas.

A principal atividade econômica desta que foi até anos 1950 uma ilha colonizada por pouco mais de dez famílias vindas da Normandia e da Bretanha no século 17 (se você checar o guia telefônico local hoje verá centenas de pessoas com sobrenomes Gréaux e Lédées, #tudoprimo) era a produção de sal. E só.
 

DE ROCKEFELLER A ABRAMOVICH, PASSANDO POR NUREYEV

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Foi Cristóvão Colombo quem nomeou Saint-Barth — que antes se chamava Ouanalao — em homenagem a seu irmão mais novo, Bartolomeu, quando aportou nesta pequena ilha das Antilhas em 1493. São Bartolomeu se tornaria não só o nome, mas também o santo padroeiro de Saint-Barthélemy, seu nome em francês [saiba mais sobre a história trágica desse santo abaixo}. Todo ano, no dia 24 de agosto, o dia do santo, Saint-Barth celebra com cerimônias oficiais, regatas, jogos e um baile público em Gustavia, sua capital. Mas a reviravolta em seu destino — de renegada a reduto de celebridades e bilionários — se dá nos anos 1960.

Em 1957, David Rockefeller, um dos 50 homens mais ricos do mundo na época (seu pai, John D. Rockefeller Jr. era um dos três mais), avistou a Baía de Colombier — uma das mais belas de Saint-Barth — de seu barco, comprou 27 hectares (mais dois terrenos em outras partes da ilha) e lá construiu uma obra-prima da arquitetura completamente integrada à paisagem desenhada por, também Rockefeller, Nelson Aldrich (infelizmente a casa, que não pertence mais à família desde a década de 1980, está hoje abandonada e decadente). Tirando as pedras, tudo teve de vir de fora. No ano seguinte, mais um grande sobrenome da elite mundial — desta vez europeia — chegaria à ilha: Edmond de Rothschild.

A presença de ambos atraiu a atenção de seus pares e fez com que muitos outros ricos e celebridades — como o mítico bailarino russo Rudolf Nureyev — construíssem seus pied-à-terre na ilha nos anos seguintes, criando praticamente um clube de bilionários e famosos em busca de privacidade e segurança nestes 25 quilômetros quadrados de terra (a energia elétrica só chegaria em 1961). Hoje, nem os Rockefellers nem os Rothschilds possuem mais suas residências (a casa que um dia foi dos Rothschilds estava à venda em março de 2017 por US$ 67 milhões) e o dinheiro velho deu lugar ao dinheiro novo.

Com uma fortuna avaliada pela Forbes em US$ 8,7 bilhões, um iate de enormes quinhentos e quarenta pés (o Eclipse, segundo maior do mundo, avaliado em US$ 1,5 bilhão) e uma casa que custou US$ 90 milhões na praia de Gouverneur — construída num dos terrenos de Rockefeller, escondida atrás dos arbustos que você vê da areia —, é do oligarca russo Roman Abramovich que você mais vai ouvir falar (pois ele é amigável, frequenta a praia pública e dirige um Mini Cooper sem o exército de seguranças particulares que o acompanha geralmente em Londres ou em Moscou). Ah, e caso você vá à praia, que é uma das mais lindas de Saint-Barth, dá até para deixar o carro no estacionamento público que Abramovich generosamente construiu ao lado de sua casa. De graça.

A HERANÇA SUECA

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Para nós que vivemos em cidades gigantes é até interessante chegar a uma pequenina ilha como Saint-Barth e saber que ela tem uma capital, com pouco mais de dez ruas principais — com uma concentração enorme de marcas de luxo, de Chopard a Hermès; as únicas lojas dessas marcas em todo o Caribe —, e um nome nada francês: Gustavia, dado em homenagem ao rei da Suécia Gustav III (1746 – 1792), que também era o nome do aeroporto da ilha, um dos mais perigosos e emocionantes do mundo, antes de ele ter sido renomeado como Rémy de Haenen (o primeiro aviador a pousar em Saint-Barth, idealizador do hotel Eden Rock e prefeito da ilha por muitos anos).

Em Gustavia, os nomes das ruas sempre são exibidos em francês e em sueco. Isso porque no século 18, o rei francês Louis 16, marido de Maria Antonieta e guilhotinado durante a Revolução Francesa, cedeu em 1784 Saint-Barthélémy para o Reino da Suécia, em troca do direito de fazer comércio no porto de Gothenburg (ocupando uma posição estratégica, Gothenburg sempre foi um dos principais portos da Escandinávia).

Os suecos transformaram o porto de Gustavia numa zona livre de impostos e Saint-Barth acabou se tornando um dos portos mais movimentados do Caribe no fim do século 18. Mas com o fim da escravidão, as atividades diminuíram, o dinheiro faltou e a Suécia vendeu Saint-Barthélémy de volta para a França em 1877. Foram mais de 90 anos de domínio sueco.

Uma vez França, Saint-Barth (assim como Saint-Martin) fazia parte do departamento da Guadalupe (outra ilha francesa no Caribe). Mas, desde 2007, essas ilhas se tornaram independentes, cada uma tem seu presidente, e hoje são livres para definir a quantidade de impostos que os ricos proprietários estrangeiros pagam por suas residências cinematográficas. Porque a maior atividade econômica de Saint-Barth não é o turismo, mas sim a construção civil, que é dominada pelos portugueses. Quanto aos impostos, o dinheiro — que não é pouco — fica todo na ilha.

O SÃO BARTOLOMEU DE SAINT-BARTH

No Juízo Final, São Bartolomeu, um dos doze apóstolos de Jesus é o que segura sua própria pele, à direita da imagem acima. Imagem: Reprodução da internet

Seja no afresco do Juízo Final de Michelangelo na Capela Sistina, seja na Arquibasílica San Giovanni in Laterano, a mais importante igreja católica do mundo — mais importante que a Basílica de São Pedro, no Vaticano —, não tem imagem mais impactante do que a representação de São Bartolomeu carregando, em sua mão ou seus braços, sua própria pele. Ele é o mais discreto dos doze apóstolos de Jesus, porque há raras citações sobre ele na Bíblia, e na grande maioria das versões do Livro Sagrado, Bartolomeu recebe o nome Natanael, o que o torna ainda mais anônimo.

São Bartolomeu teria levado o Evangelho para a Arábia, a Pérsia e até o oeste da Índia, passando pela Armênia, onde com São Judas Tadeu (e não o Judas Iscariotes, o apóstolo que traiu Jesus), foi responsável por ter levado o Cristianismo no século 1 — ambos são os santos padroeiros da Igreja Ortodoxa Armênia. Mas o fato de São Bartolomeu ter convertido para o Cristianismo Polymius, rei da Armênia, enfureceu o irmão do rei, que mandou torturá-lo e executá-lo. São Bartolomeu teria sido esfolado vivo e depois decapitado.

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Shoichi Iwashita

Compulsivo por informação e colecionador de moleskines com anotações de viagens e restaurantes, Shoichi Iwashita se dedica a compartilhar seu repertório através das matérias que escreve para a Simonde e revistas como Robb Report Brasil, TOP Destinos, The Traveller, Luxury Travel e Unquiet.

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